Sunday, April 15, 2007

A SAGA DO PILAS VI

A ATRIBULADA INFÂNCIA DO PILAS.

Os meses, e alguns anos, foram passando pela vida da Maria Adelaide e de todos os que a rodeavam. O seu filho foi crescendo, e com ele a fama do seu atributo específico e bem localizado que o tornara tão falado logo no dia em que nasceu. Quando regressara a casa, após o parto sui generis, bem tentara ocultar a característica viril do filho. Mas depressa verificou que os seus esforços eram inúteis, pois, estranhamente, já toda a gente do bairro sabia que o novíssimo habitante das imediações era especial de corrida.

Como a decisão de esconder não resultou (como, aliás está mais do que provado que nunca resulta) Maria Adelaide reformulou os seus esforços e passou, então, a tentar desviar a atenção das vizinhas e a desdramatizar o fenómeno peculiar, com receio de que isso viesse a condicionar, ou mesmo a conduzir a vida futura do seu filho. Nessa cruzada, não conseguiu recrutar o apoio do Marcelino, pois este, como assumido pai que era, na sua ignorância e orgulho, parecia fazer questão de evidenciar o apêndice comprido e espetado do miúdo, sempre que tinha uma oportunidade. E assim, como não podia deixar de ser, a fama do rapaz depressa se propagou, desde o apertado bairro onde viviam, até à escola. Num abrir e fechar de olhos, colaram-lhe uma alcunha aumentativa. Passou, então, a ser conhecido pelo Pilas. Essa alcunha assentou-lhe tão bem que grande parte das pessoas, miúdos e graúdos, que o iam conhecendo, nunca chegaram a saber qual era o seu verdadeiro nome de baptismo. Pilas nasceu e Pilas foi ficando.

Felizmente, o Pilas nunca se mostrou incomodado ou ofendido, e até adorava, para não dizer que venerava, a sua alcunha. Dava-lhe a sensação de ser verdadeiramente importante. Primeiro, na inocência da sua tenra idade, começou por se achar especial por ter o único nome que, ao ser mencionado, provocava caras com expressões engraçadas. Mais tarde – mas muito precocemente - já com consciência da sua aparente superioridade física, orgulhava-se do corpo que tinha. Criou o hábito de passar horas ao espelho, a apreciar e a cuidar do seu aspecto. Sem que ninguém lho tivesse ensinado, no final, conseguia dar sempre à sua figura um aspecto de elegante desleixo: bem ao gosto de algumas das “suas miúdas”.

Quando ainda só rondava os sete anos, o Pilas descobriu, sem querer, que tinha a capacidade de chocar as miúdas mais velhas. Naquela altura não chegou sequer a compreender muito bem porquê, mas a verdade era que sempre que o viam passar, olhavam para ele e cochichavam entre si, com sorrizinhos patetas. Como uma criançola que ainda era, nem se preocupou em explorar muito a fundo as razões daquele interesse. As diferentes reacções agradavam-lhe, pura e simplesmente. Junto das suas coleguinhas e vizinhas sentia-se como se fosse um artista famoso. Já que as miúdas tanto pareciam gostar, acabou por conceber um passatempo “super-fixe”: mostrar-lhes a sua comprida pilinha – que naquela idade mais parecia uma esferográfica-. As mais velhas, que já conheciam os dotes fora do comum do rapaz, mais tarde ou mais cedo, voltavam a procurá-lo para uma segunda exibição – de preferência em câmara lenta –, altura em que deixavam escapar falsos risinhos envergonhados. Sem, no entanto, despregarem os olhos da “estrela da companhia”. As outras, que eram apanhadas de surpresa, sem qualquer tipo de pré-aviso, fitavam-no de olhos bem arregalados e fugiam a sete pés. Algumas da idade dele, poucas, chegaram mesmo a ganhar coragem para se queixarem às respectivas mães, de lágrimas nos olhos e vozinhas aos tremeliques. Após a exibição impudica do Pilas as pobres meninas eram acometidas de violentos pesadelos e gemidos compulsivos.

Essa tendência precoce para a exibição, em vez de abrandar, foi-se acentuando com a idade. Aos 10 anos, os seus ataques de “expressividade física”, embora tivessem um intuito especialmente personalizado de satisfação pessoal, eram susceptíveis de acontecer em qualquer lugar ou situação: na padaria quando, a pedido da mãe, ia comprar pão fresco; na sapataria do senhor Saraiva quando tinha a sorte de se encontrar com alguma vizinha mais desinibida e marota; na mercearia bolorenta da embirrante dona Augusta; na escola, ou mesmo na obscura loja da funerária dos pais. Para tanto, bastava que alguma miúda gira o interpelasse, inocentemente, ou o provocasse, propositadamente. De salientar que quando se utiliza a designação de miúda, é uma força de expressão, já que se está a abranger uma faixa etária extremamente alargada, quer para baixo, quer para cima. Até porque uma das situações em que o Pilas mais se sentia brilhar era quando estava sozinho na funerária e tinha a sorte de lhe entrar pela porta alguma viúva mais arreada. Nessas alturas é que ele justificava, em pleno, o direito que tinha à sua alcunha. Além de que se divertia, à parva, como um simples puto traquinas que era.

O pior foi que, à custa das suas brincadeiras de mau-gosto, muitas clientes fugiram, receando estar a contratar os serviços de alguma comunidade de hábitos necrófilos ou de cultos satânicos. Nessas alturas, a sorte da Maria Adelaide era ser conhecida lá pelo bairro, havia já uns bons pares de anos. O azar do Pilas era a mãe ter a mão pesada e não se poupar a treiná-la no seu rabo que ficava vermelho das chineladas que ela lhe dava sempre que, devido a uma brevíssima ausência sua, via uma cliente a sair esbaforida da loja, com o credo na boca, e um pensamento impróprio na imaginação.

Maria Adelaide justificava, no seu íntimo, estas brincadeiras disparatadas do filho com a falta da figura do pai lá por casa. Ela bem se esforçava por impôr alguma disciplina àquele miúdo irrequieto, mas tinha grandes dificuldades, já que, embora adorasse a mãe, o Pilas pouca importância dava às suas conversas “eruditas” ou aos castigos que ela lhe aplicava.

1 comment:

Anonymous said...

Vogar na net tem às vezes este sabor de acerto na lotaria, ou de encontrar uma pérola quando se passeia no areal olhando uma ou outra conchita.
Bem haja pela sua escrita.

hilarmoreno@gmail.com