Friday, April 27, 2007

A SAGA DO PILAS VIII

Alguns meses após o faustoso e noticiado casamento, e quando já não arriscava levantar suspeitas, a natureza valdevina do Senhor Doutor não se conseguiu mais conter dentro de uma pele de marido atencioso e fiel e regressou às suas actividades noctívagas. Lançou-se primeiro a medo, mas depressa se desleixou e, em crescendo, atingiu toda a sua plenitude de engatatão. O cúmulo do desplante foi a sua tentativa de reaproximação a Maria Adelaide, sendo o seu objectivo final, reconquistar o lugar no seu coração, ou mais correctamente: reocupar o lugar do banco de trás do seu carro.

Como um D. Juan experiente que se achava, começou por atulhá-la de flores e presentes, pensando que dessa forma a faria esquecer as partes negras do passado e ansiar pelas ardentes cambalhotas que davam os dois juntos. Quando se lhe esgotou a paciência e chegou à conclusão que daquela maneira, simples, mas dispendiosa, não ia lá, pediu conselho ao seu melhor amigo, um reconhecido psiquiatra da praça, que o aconselhou a optar pela aproximação, temporária, do filho comum (que, a bem dizer, ele nunca reconhecera como seu).

Assim, embora não correspondesse minimamente à verdade, com frases quentes e lágrimas nos olhos, Camilo convenceu a Maria Adelaide de que estava arrependido de todo aquele tempo de afastamento entre ele e o filho de ambos e, por fim, conseguiu que ela o deixasse levar o miúdo a lanchar, numa tentativa de que, pelo menos, se conhecessem. E ela que, desde sempre, e sobretudo, desde que fora mãe, se sentia carente e muito sozinha, acedeu a esse pedido e, rapidamente, se começou a aperceber de que corria sérios riscos de deslizar para a tentação. Resultado, todas as noites fazia a sua ginástica, a dobrar, e tomava um duche frio, antes de ir para a cama, na esperança de arrefecer o desejo que, cada vez mais, a ia invadindo.

Apesar de sonhar e ambicionar uma vida igual à de algumas das personagens das novelas que se habituara a ver todas as noites, ainda conseguia ter alguma presença de espírito para admitir para si própria que os finais felizes, geralmente, só aconteciam nos filmes americanos e nos romances. A vida, tal como ela permitia ser vivida, não era pêra doce. Todos os seus pensamentos entraram em colisão uns com os outros. E, por fim, lá se auto-convenceu de que dar a hipótese ao Camilo de conhecer o filho era humano e saudável.

Como seria de esperar: o primeiro e único encontro entre pai, político e filho, conhecido por Pilas, foi logo para abrir, e fechar, um completo desastre. Não só o Camilo não estava minimamente preparado para lidar com uma criança (fosse ela qual fosse), como nem sequer achou que devesse fazer um esforço, mesmo que pequeno, para ultrapassar a cortina da idade que, só por si, já era densa. Na sua consciência de classe e sobranceria, limitou-se a fazer de corpo presente numa situação que exigia, no mínimo, o coração. Convenceu-se de que o miúdo é que tinha de arranjar maneira de chegar a ele, já que não passava de um puto. De salientar que o Camilo era daqueles que tem um primeiríssimo nome de Doutor; isto para não falar na sensação de importância que lhe dava o facto de se intitular e considerar um dos políticos importantes da praça.

Por seu lado, no dia do fatídico encontro, o Pilas não fazia a mais pálida ideia de quem era o Doutor Camilo com quem tinha de ir lanchar, e a bem dizer, nem lhe interessava. Vivia à farta os seus 10 anos, sentindo-se o rei da paróquia. Dadas as circunstâncias sociais e “ambientais”, o seu linguajar era bastante livre (para não dizer chocante). Assim, nem a vontade interesseira de, através da conquista do filho, reconquistar a mãe fez com que o Senhor Doutor tivesse vontade de tentar uma segunda abordagem. Até o local do encontro parecia ter sido escolhido a dedo, com o objectivo daquilo não resultar: a Ferrari.

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