Monday, April 2, 2007

A SAGA DO PILAS IV

Todas essas sensações e pensamentos, que para a uma mulher segura de si poderiam passar por meros devaneios, se foram transformando em desconfianças redobradas a que não estava habituada e acabaram por lhe semear algumas dúvidas e, sobretudo, diversificadas insatisfações, quer a nível moral quer a nível físico.

Desde que me meti com o Marcelino que a minha existência como mulher oscila entre as suas investidas obsessivas e violentas e a sua ausência física quase total. Se a insistência sexual exagerada – mesmo vinda do respectivo marido – é desconfortável e, às vezes, bem dolorosa, a abstinência forçada torna-se, por vezes, ainda mais terrível, pois a certa altura começa a ser suspeita: como é que se justifica o súbito desinteresse?

Acho que grande parte das mulheres, mesmo nos dias que correm, quando sentem desinteresse ou indiferença sexual por parte dos seus homens, começam logo a desconfiar, ou pelo menos a estar mais atentas em relação a quaisquer outras amizades que possam existir extra-casal. É o que eu vou passar a fazer: estar de olhos bem abertos e ouvidinhos atentos… Já numa destas noites me pareceu ouvir o Marcelino pronunciar um nome de mulher que não o meu. Nem quis acreditar nos meus ouvidos, mas pareceu-me que chamava pela Maria Rosa. Não pode ser, devo ter ouvido mal. Devia estar a ter um sonho erótico, o filho da mãe. Só me faltava ser traída por aquela tipa que anda sempre para aqui a chatear-me.

Maria Adelaide, sentia-se numa situação deveras complicada e vulnerável. Mesmo que a mente não o quisesse admitir, o corpo andava irrequieto e insatisfeito, como se lhe faltasse alguma coisa. Não conseguia disfarçar a falta que sentia de um outro corpo, mais forte e envolvente. Camuflava o desejo e a imaginação sexual, mais fértil cada dia que passava, chamando-lhe necessidade de protecção.

Definitivamente, tenho de esquecer o que me ensinaram. É cada vez mais óbvio, para o meu corpo, que o sexo não serve só para procriar. O prazer físico, através do envolvimento carnal, pode ser um grande pecado, mas é bom que se farta. Que se lixe se não passo de uma miserável pecadora. Antes o castigo que a abstinência e a frustração. Começo a ter dificuldades em me controlar. Chego à terrível conclusão de que o sexo é como tudo o que sabe bem na vida, passa-se sem ele, até ao dia em que a curiosidade é mais forte do que a castração moral e se cai na tentação de o experimentar. Agora que fui apanhada, já não há nada a fazer. No final, acaba sempre por se tornar, salvo raras e estranhas excepções, um prazer de primeira ou, no máximo, de segunda necessidade: tudo depende dos vícios de cada um.

Apesar de todos os esforços de Maria Adelaide para que, nessa altura negra da sua existência, ninguém à sua volta compreendesse o que se passava no seu íntimo, não conseguiu ser suficientemente convincente. Tinha o azar de ter uns olhos demasiado expressivos, apesar de protegidos pelos óculos, onde se espelhava tudo o que lhe ia na alma e no coração. O pior foi quando as suas ansiedades e carências físicas se avolumaram de tal forma que lhe foi impossível conter-se durante mais tempo. E aí transpiraram elas, como uma torrente, para o mundo exterior, tornando-se, incompreensivelmente, públicas. Nesse processo desagradável de violação de uma alma carente e perdida deve ter havido a mão maldosa de alguma amiga “do peito”… Foi chocante a rapidez com que começaram a surgir pretendentes muito interessados, a maioria muito interesseiros.

Na altura, tudo lhe pareceu difícil de acreditar e, sobretudo, deveras confuso. Mas, aos poucos, serviu-lhe para conhecer melhor o género humano e as pessoas que a rodeavam. Tudo isso lhe permitiu adquirir uma maior sabedoria para lidar com os acontecimentos desagradáveis que a rodeavam. Até aprendeu a deixar de se sentir culpada e pecadora: passou a saber justificar-se perante si própria.

Que estupidez! Agora que penso nisso a sangue frio até consigo compreender que a minha solidão tenha sido detectada com relativa facilidade: as carências e a necessidade de apoio e carinho são características de quem está a passar por um mau bocado. Não devo ter reparado, mas provavelmente andava a comer demasiados doces.

O mais degradante nesta história toda, é ter de chegar à triste conclusão de que o ser humano, tal como um predador disfarçado, alimenta o corpo e o ego com as infelicidades e desesperos alheios. Nessas alturas, só não se lembra que, da forma como a vida está estruturada, sobre um futuro incerto e um destino falível, rapidamente o caçador passa a caça. E o predador torna-se a presa indefesa.

Tudo aconteceu de repente: os homens que habitualmente passavam indiferentes por ela na rua, ou que com ela se cruzavam no café da esquina sem sequer lhe prestarem atenção, passaram a sentir-se atraídos, como mosquitos pela luz ou formigas pelo mel, pela sua cara desalentada e a sua vontade mal disfarçada. Bastava-lhes um mero segundo de aproximação sinuosa, para, logo, aspirarem aquele odor doloroso e carente típico numa mulher desvastada pela solidão. Esta capacidade “intuitivo-predatória” aplicava-se, em exclusivo, aos mais experientes. Alguns, mais apressados, aproximavam-se à bruta, convencidos de que bastava aparecer e agarrar a presa, sem mais nada. Nenhum desses teve sorte. Outros iam rondando a vítima, impacientes, sem grande vontade de esperar, na esperança de bicar a novidade, sem dispenderem muitas energias mentais. Curiosamente, a maioria dos interessados eram amigos ou conhecidos do Marcelino como se tivessem sido enviados no intuito de compensarem o que ele não podia, ou não queria dar. Todos foram desistindo, com excessiva rapidez, logo nas primeiras tentativas goradas. Foi aí que surgiu o belo Camilo, vindo sabe-se lá de onde. E não é que conseguiu ultrapassar a impaciência e atingir os seus intentos? Há que dizer que o que lhe valeu foi a preseverança e o carinho. Tinha um “pequenino” senão, quando se perdia em discursos apaixonados, repletos de floreados, deixava escapar a sua verdadeira natureza de político de segunda. Fosse como fosse, as suas palavras eram doces e o sentido das frases envolvente. E a carinhos e bons-tratos não estava a Maria Adelaide habituada. Isto para não falar na figuraça de Adónis do homem.

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