Monday, March 26, 2007

Heterotopia

no sonho de hoje estou de pé no corredor de uma casa vazia, de mim desgarra-se, como uma projecção tridimensional, um homem que eu interpelo mas não me responde. julgo ver sair pela minha boca uma cauda que está presa ao fundo das costas do homem, que percorre o corredor na direcção da velha e do pombo e dos patos. só agora dou conta de que o homem é uma figuração do diabo com feições de velho mestre de filosofia, que por mim passa e de mim se afasta. vivemos os dois numa casa que recordo ser muito grande, como um templo onde se reza a um deus astuto e grave, a um pai. aí peço uma benesse. as minhas últimas palavras, são só as minhas últimas palavras, nada revelam, e não querem nem saberiam ser a síntese de todo um saber, quanto muito, dizem de como andei disperso, abolido, confuso.
o pombo deve ter uma das patas partidas, encaracola-se ao contacto com o tampo da mesa forrado a linóleo. as penas parecem escamas, negras e cinzentas, sobrepostas umas sobre as outras como o telhado de uma casa.
a velha senhora que observo à horas do fundo do corredor, fala sozinha, diz uma ladainha de pequenas frases antigas.
os patos parecem nadar nos vidros da janela - pequenos bonecos manipulados através de varetas que lhes atravessam o corpo - representam histórias improvisadas, divertidas e pitorescas.
vá minha atenção, dividida entre os pássaros e os lábios e o homem, diz-me como se renasce dos sonhos. diz-me onde encontrar a força para ir para além das perguntas que eles colocam.

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